Nesse isolamento da quarenta um filme se passa em nossas cabeças. Um filme que alterna todos os estilos. Ora suspense, ora drama, ora comédia, uma boa dose de distopia e até mesmo terror. O coronavírus nos colocou diante de uma realidade que, apesar de já conhecermos, insistíamos em negar: a vida é incerteza e não está sob nosso controle.
Sempre que tínhamos a notícia de alguém que partiu de forma abrupta e inesperada, suspirávamos dizendo “a vida é mesmo um sopro”. Alguns minutos de choque e reflexão, mas que rapidamente davam lugar à correria do cotidiano. Prazos, compromissos, atividades… Assim os dias davam lugar às semanas, aos meses e “Já é Natal? O tempo voa mesmo”.
Anos e anos que se resumiam nessa correria, nessa busca por sabe-se lá o quê! Até que um dia, um novo vírus bate em nossas portas e nos diz: “agora você não pode mais sair, tem que ficar aí, sem aquela rotina na qual você se refugiava para se proteger. É isso! Agora somos só eu você. Ou melhor, é apenas você e toda a dose de incertezas que eu trago, para lhe mostrar que aquela segurança que você imaginava não existe. Pense sobre isso! Pode deixar, vou garantir que você tenha bastante tempo!”.
E de repente, quando tudo o que você tinha como certo e seguro foi abruptamente tirado de você, só sobrou você! E agora, você não sabe muito bem o que fazer com isso. É, eu entendo, é desconfortável nos depararmos com a gente mesmo de forma tão inesperada! É como quando somos pegos desprevenidos por um espelho inesperado e nos assustamos com a nossa própria imagem. É apenas a nossa imagem, a gente mesmo, mas não estávamos preparados para nos vermos assim, de repente, aí o susto vem.
A quarentena nos isolou e nos colocou diante da gente mesmo, da nossa vida, das escolhas que fizemos e das que deixamos de fazer. Não tem para onde correr. Às vezes você até tenta se entorpecer, mergulha nos noticiários, mas isso causa muita angústia. Então você decide mergulhar nos filmes e seriados, mas chega um momento que se sente esgotado e, ao desligar o computador, a realidade continua ali, esperando por você, com os mesmos pensamentos e questionamentos que existiam antes de você apertar o play.
Não, não adianta fugir. É hora de olhar para tudo isso, é hora de olhar para você e refletir sobre todos esses questionamentos que orbitam em sua mente. “Mas eu não tenho direito de questionar minha vida ou me sentir insatisfeito, quando tantas pessoas se encontram em situações críticas, sem emprego, sem a garantia do pão de cada dia”, você me diz.
Sim, existem muitas pessoas vivenciando essa pandemia de uma forma muito mais crítica e desesperadora. Muito provavelmente você se encontra em uma situação de privilégio e é importante ter consciência disso, honrar seus privilégios e se dedicar para fazer a diferença e ajudar as pessoas que precisam de ajuda. Mas isso não pode ser usado como justificativa para uma fuga de si mesmo.
Ninguém se beneficiará com o seu sofrimento. O mundo não será um lugar melhor, nem as pessoas serão mais felizes ou terão suas situações amenizadas pela sua amargura, pela sua insatisfação. É hora de olhar para você, hora de refletir, reavaliar e recalcular a rota!
Existe um livro clássico de Charles Dickens chamado Um Conto de Natal. É uma história muito conhecida, de um velho rabugento e amargo que, na noite de Natal, recebe a visita de três espíritos: o Espírito dos Natais Passados, o Espírito do Natal Presente e o Espírito dos Natais Futuros. Guiado pelos três espíritos, o velho Scrooge faz uma viagem no tempo, revisitando suas lembranças do passado, enxergando por uma outra perspectiva o seu presente e tendo um vislumbre sobre o que acontecerá no futuro como desdobramento de suas escolhas.
Mais do que uma viagem no tempo, o protagonista tem a oportunidade de refletir sobre sua vida e, com isso, é presenteado com uma nova chance. Uma segunda oportunidade para dar novo rumo e significado à sua existência!
Assim como o velho Scrooge, essa quarentena nos deu um presente inestimável, ela nos permitiu ficar frente a frente conosco mesmos, com nossas vidas, nossas escolhas e as emoções que insistíamos em sufocar na correria do a dia a dia. Ela também nos permite ter um vislumbre de como será o nosso futuro, caso não ajamos agora. Muitas pessoas se sentirão tristes com esse presente e não saberão reconhecer o seu valor. Outros tentarão inutilmente se desfazer dele, tentando escondê-lo em algum canto da casa ou enfiá-lo no armário de bagunças, na esperança que ele desapareça. Mas alguns olharão para o presente com gratidão e sabedoria. Entenderão o recado que ele traz e a segunda chance que ele nos dá para fazermos novas escolhas e reescrevermos a nossa história!
“Estou velho demais para mudar. Não tenho como aproveitar essa segunda chance.” Será mesmo? Será que você realmente está velho demais para mudar? Ou será apenas o medo da mudança, medo de não conseguir, de não dar conta?
É medo, não é mesmo? Pois é, foi o que imaginei! Mas saiba que não há o que temer, pois a mudança não significa necessariamente uma transformação radical na sua vida. Na maioria das vezes, a mudança mais significativa é aquela que acontece nas pequenas coisas. Ela está em um olhar afetuoso para as pessoas que rodeiam você, na reflexão sobre suas prioridades, nos momentos de diversão e lazer que antes davam lugar ao trabalho incessante, na partilha generosa do que você tem em excesso, no perdão daquela mágoa do passado, no viver o presente, na gratidão pela vida, na apreciação do canto dos pássaros e da beleza das flores.
E mesmo que todos esses exemplos não lhe tenham convencido da simplicidade da mudança, permanecendo o temor de estar velho demais, lembre-se que essa é uma afirmação arbitrária, pois você não tem como saber quanto tempo há pela frente. E isso não deve importar, porque a única certeza que você tem é o momento presente, é o agora. Só o agora é real, o amanhã é apenas uma possibilidade. Por isso, não há que se falar em jovem ou velho, mas sim em hoje e agora.
É no hoje, no aqui e no agora que você tem a chance de fazer diferente, de se conhecer, se acolher, cultivar momentos felizes. No livro “Um Curso em Milagres” se diz que o milagre é a mudança de perspectiva, ou seja, quando você consegue enxergar uma mesma situação por uma outra perspectiva. Com isso, um mundo de novas possibilidades se abre diante de você. Um mundo que só é possível enxergar quando você muda o seu posicionamento diante daquela determinada situação. Basta um novo olhar para encontrar a luz em meio à escuridão.
Hoje você tem a chance de fazer diferente, de escolher de novo, de se conhecer, se acolher, cultivar momentos felizes, cultivar a paz aí dentro, mesmo que do lado de fora pareça ser tudo caos. Hoje você tem a chance de viver o seu milagre. Um milagre na quarentena.
Então, vem comigo!